É preciso evitar a contabilidade criativa no socorro aos Correios | Artigo por Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.
O Conselho de Administração dos Correios aprovou a contratação de um empréstimo no valor de R$ 20 bilhões. A medida faria parte de uma estratégia para recuperação da companhia, uma empresa estatal classificada, hoje, como não dependente.
Os números da empresa são ruins, tanto o caixa como o resultado, e resultam de diversos fatores estruturais, a exemplo de mudanças no mercado e na própria organização e oferta dos serviços de remessas, entregas etc.
Vamo-nos entender: a política de pessoal praticada pela empresa combinou-se com uma mudança no setor de logística. Os Correios perderam espaço para empresas que cuidam, por si sós, das remessas a seus clientes.
Argumenta-se que a função social dos Correios, mesmo assim, ainda seria relevante, dados o simbolismo do serviço postal, a capilaridade da empresa e, portanto, a capacidade de chegar aos rincões do país.
Fato é que, do ponto de vista fiscal, ou bem a empresa transforma-se numa estatal dependente do Tesouro e seu ônus passa a constar dos orçamentos ou apenas se empurrará para frente o problema, que, inclusive, tende a crescer.
A saída definitiva é vender o que ainda possa ter valor de mercado relevante e manter, se assim for a decisão política (pela razão acima explicitada) os serviços considerados essenciais, com o mínimo de oneração ao Estado.
No curto prazo, não nos parece que isso possa ocorrer. A saída negociada parece ser, de fato, a de um empréstimo com possível aval do próprio Tesouro. Se isso ocorrer, as contas públicas serão fortemente afetadas.
O resultado fiscal abaixo da linha, calculado pelo Banco Central, será sensibilizado – e realmente tem de ser – e as contas públicas, necessariamente, piorarão. O correto seria providenciar um esforço fiscal adicional para contemplar esse ônus.
Ao contrário, a imprensa noticia que já se cogita retirar os efeitos cabíveis da meta fiscal das empresas estatais. Lembrando, para ter claro, que há uma meta de resultado primário para o Governo Central e outra para suas estatais.
O caso se coloca em um momento de fragilidade das contas públicas. Projetamos, na Warren, déficits de 0,6% e de 0,7% do PIB, respectivamente, para 2025 e 2026.
Para o ano que vem, conforme temos escrito desde abril, a meta fiscal terá de ser alterada, sob pena de ser descumprida, dada a ausência de medidas suficientes para a entrega do superávit de R$ 34,3 bilhões proposto no PLDO.
Mesmo considerada a banda inferior (zero) e abatendo-se gastos com precatórios e outros, faltariam cerca de R$ 35 bilhões para fechar as contas de 2026.
O episódio dos Correios, confirmada a estratégia em tela, só pioraria a percepção de risco associada às contas públicas. Outra opção para apagar o incêndio seria uma capitalização, que também afetaria o resultado primário, não custa lembrar.
Esse seria o caminho fiscalmente responsável e transparente para lidar com o problema, desde que sem mudança de regra fiscal. Empréstimo ou capitalização, é imprescindível que a ajuda seja acompanhada do ajustamento da situação financeira da estatal.
Na emergência em que estamos, qualquer saída que contemple desvio, contorno, mudança, adequação ad hoc ou coisa que o valha das regras fiscais vigentes será mais uma contribuição para engrossar o cordão da contabilidade criativa.
No médio prazo, repetimos, a agenda é a que já foi explicitada: privatizar o que tem valor e internalizar nos orçamentos os custos de políticas consideradas, se assim forem, essenciais.
Autor: Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.
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