O transporte aéreo brasileiro encerrou 2025 com movimento recorde de passageiros e uma escalada proporcional de conflitos judiciais. Mais de 118 milhões de passageiros circularam pelos aeroportos do país ao longo do ano, em um ambiente marcado por atrasos frequentes, cancelamentos e reacomodações forçadas. Ao mesmo tempo, o Judiciário acumula milhões de processos em tramitação e enfrenta pressão crescente por eficiência e padronização de decisões. É nesse cenário que uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal passou a produzir efeitos colaterais relevantes: tribunais estaduais começaram a suspender em massa ações movidas por passageiros, inclusive em casos que não envolvem situações excepcionais ou imprevisíveis, ampliando a insegurança jurídica e travando o andamento de processos que aguardavam julgamento há meses ou anos.
O ponto de origem da controvérsia é o Tema 1417, em análise no STF, que discute se companhias aéreas devem ser responsabilizadas quando o cancelamento ou atraso do voo decorre de fatores externos, como condições climáticas severas ou decisões da autoridade aeronáutica. Enquanto o mérito não é julgado, foi determinada a suspensão dos processos que tratam especificamente dessa hipótese. O problema é que a decisão vem sendo aplicada de forma genérica, como se qualquer falha no transporte aéreo pudesse ser enquadrada como força maior. “A suspensão nacional de processos deve abranger apenas situações efetivamente relacionadas à controvérsia constitucional, evitando paralisação indevida de demandas que tratam de questões distintas e abarrotando o Judiciário de casos que ficarão suspensos que sequer serão afetados com a decisão a ser proferida no presente caso”, afirmou a Dra. Aline Heiderich, advogada de Thiago Ferreira Câmara, autor da ação contra a Azul Linhas Aéreas na 1ª instância da Justiça do Rio de Janeiro que chegou ao STF.
Essa leitura ampliada ignora distinções fundamentais previstas na legislação brasileira. O Código Brasileiro de Aeronáutica delimita de forma objetiva os eventos que podem ser considerados fortuito ou força maior, excluindo situações como overbooking, manutenção não programada, falhas técnicas, extravio de bagagem ou extrapolação da jornada da tripulação. Ainda assim, esses casos vêm sendo incluídos no mesmo pacote de suspensão, criando um efeito dominó nos tribunais. Além do prejuízo financeiro e do transtorno enfrentado no aeroporto, surge uma nova frustração, agora institucional, ao ver seu processo paralisado sem prazo ou perspectiva de retomada.
O discurso de que a suspensão seria necessária para conter uma suposta enxurrada de ações contra companhias aéreas também não se sustenta na prática. O setor não figura entre os maiores litigantes do país, e os custos judiciais representam uma fração reduzida da estrutura de despesas das empresas, muito abaixo de itens como combustível e leasing de aeronaves. Além disso, a elevada taxa de procedência das ações evidencia que o consumidor recorre ao Judiciário como último recurso, após tentativas frustradas de solução administrativa. Entidades de defesa do consumidor já pressionam por um esclarecimento formal do STF antes do recesso do Judiciário, para evitar que a exceção vire regra e que milhares de passageiros continuem pagando a conta de uma distorção jurídica silenciosa.
Crédito da foto de capa: Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil