Maristela Ferreira de Souza Miglioli, advogada do Ciari Moreira Advogados.
Num passado recente, levantaram-se vozes contra o renascimento do voto de qualidade perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) – um órgão colegiado pertencente à estrutura do Ministério da Economia que julga litígios entre contribuintes e a União Federal – nos julgamentos com empate. Como tal voto é atribuído ao presidente da sessão em caráter exclusivo, cargo sempre ocupado por um representante do governo, o discurso tem sentido.
O voto de qualidade nasceu em 1972, foi extinto em 2020 e renasceu no texto da Lei nº 14.689/2023, mas com algumas medidas “compensatórias”: os processos decididos em favor do fisco com base nesse voto podem ter a multa cancelada e a respectiva representação fiscal para fins penais, se existente, também pode ser extinta.
Como esperado, a Procuradoria da Fazenda Nacional apressou-se em esclarecer que o cancelamento da multa só seria admissível nos casos em que o voto de qualidade tenha sido exercido na última decisão de mérito (ou seja, a decisão irrecorrível ou contra a qual não foi exercido o recurso cabível, embora existente).
Assim, sendo constatado o cabimento, em tese, de Recurso Especial ao Conselho Superior de Recursos Fiscais (CSRF), é preciso avaliar, caso a caso, se o uso desse último instrumento não “fecharia a porta” ao cancelamento da multa, sob a ótica de que o empate pode não se repetir no julgamento seguinte. Se isto ocorrer, o contribuinte (recorrente) “perdeu a chance” de obter o cancelamento da multa com base no voto de qualidade exercido na decisão anterior.
Ainda segundo a Procuradoria, não se aplica o cancelamento da multa: (i) quando o seu fundamento (ou o do tributo do qual a multa é acessória) não seja apreciado por decisão de mérito, ou seja mantido por maioria qualificada de votos; (ii) quando a decisão obtida por voto de qualidade se referir apenas a uma parte da multa, na existência de multas qualificada ou agravada; (iii) às multas isolada (decorrentes do descumprimento de obrigação acessória ou aduaneira) e aduaneira; (iv) a processos administrativos de restituição, ressarcimento, compensação ou qualquer modo de devolução de tributos.
A Receita Federal do Brasil (IN nº 2.205/2024) concorda com as orientações da Procuradoria, detalhando-as para as situações de dolo, fraude, simulação, conluio, prazo decadencial nessas hipóteses, reincidência, multa qualificada simples ou majorada.
Outra contrapartida em favor do contribuinte é a dispensa de apresentação de garantias para fins de regularidade fiscal, quando o tema decidido por voto de qualidade migrar para a esfera judicial.
Essa dispensa está prevista nas Portarias PGFN nº 95 e 1.684, ambas de 2025, sendo conferida somente aos contribuintes “com capacidade de pagamento” a ser avaliada pela Procuradoria com base no patrimônio líquido realizável ajustado, dentre outros elementos. Essa avaliação pode levar em conta, também, as informações de outras pessoas jurídicas que integrem o “grupo econômico” do devedor original.
O pedido de dispensa de garantia pode ser formulado independentemente da inscrição do débito em dívida ativa, evitando-se eventual “gap” na regularidade fiscal enquanto se aguarda tal providência.
Outro aspecto ampliado em favor do contribuinte é quanto à abrangência da dispensa: na redação original da Portaria nº 95/2025, somente a parte do crédito tributário sobre a qual recaiu o voto de qualidade é que dispensava a garantia; agora, essa dispensa pode recair sobre todo o crédito tributário, mesmo que só uma parte dele tenha sido decidido pelo voto de qualidade.
Aqui, há um detalhe relevante: se o voto de qualidade permitir o cancelamento da multa (conforme exposto de início), essa parte do crédito tributário (a multa) deixou de existir e, consequentemente, não precisará ser objeto de pedido de dispensa de garantia.
Há, ainda, algumas exigências adicionais previstas na Portaria nº 1.684/2025: (i) apresentar rol de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, caso o contribuinte não tenha êxito na decisão judicial de primeira instância; (ii) regularizar débitos de FGTS e eventuais outros débitos federais em até 90 dias da data do requerimento de dispensa; (iii) regularidade fiscal geral em, pelo menos, 9 (nove) entre os 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao pedido de dispensa.
Caso o crédito tributário elegível à dispensa de garantia já tenha sido objeto de prévia garantia no âmbito judicial (em caso, por exemplo, de Medida Cautelar Fiscal ajuizada antes do encerramento da discussão na fase administrative), esta (a garantia) poderá ser liberada (desde que, obviamente, o pedido de dispensa seja formulado pelo contribuinte e deferido pela Procuradoria).
Quanto à contagem do prazo para defesa na Execução Fiscal – que, em regra, se inicia com a formalização da garantia – caberá ao Procurador da Fazenda Nacional comunicar a dispensa da garantia ao juiz competente, que intimará o executado (contribuinte) quanto ao início do prazo.
Em linhas gerais, o voto de qualidade – cuja conformidade com o sistema jurídico brasileiro não é objeto destas linhas – costuma operar em desfavor dos contribuintes (já que seu titular é sempre um representante fazendário), mas a Procuradoria da Fazenda Nacional e a Receita Federal do Brasil procuraram “compensar” esse desequilíbrio ofertando algumas benesses ao contribuinte afetado, cujo exercício exige cuidados.
Maristela Ferreira de Souza Miglioli, advogada do Ciari Moreira Advogados. Maristela atua nas áreas de Contencioso e Arbitragem, bem como em Tributário, tanto na esfera consultiva quanto contenciosa. É Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo e Bacharel em Direito pela mesma instituição.