Esta tecnologia, que surgiu em 2008 como suporte ao bitcoin e às criptomoedas, vem sendo aplicada também nas operações logísticas, trazendo mais segurança, transparência e agilidade tanto para empresas quanto para o consumidor final
De acordo com o relatório Ilos Fast Reports, a aplicação do blockchain na logística já está presente em 19% das grandes empresas brasileiras e tende a crescer, com 42% das companhias sinalizando esta utilização nos próximos anos. Entre as aplicações mais utilizadas, segundo o levantamento, está a rastreabilidade da origem do produto.
Para entender um pouco mais sobre o funcionamento, benefícios e desafios do blockchain, conversamos com o especialista em inteligência artificial, Ulisses Silva, head de Logística e Ciências de Dados da Prestex

De uma forma mais simples, qual a definição de blockchain?
Ulisses Silva: O blockchain é um banco de dados, como se fosse um livro contábil digital, no qual cada página é um “bloco” que contém várias transações, como se fossem registros de um diário. Os blocos são conectados em sequência, formando uma “cadeia” – daí o nome “blockchain” (cadeia de blocos). Pense como se fosse uma corrente inquebrável, na qual cada link é um registro seguro e imutável de dados. O diferencial do blockchain é que ele é descentralizado, quer dizer, é mantido por todos que participam desta rede e não por um único órgão, garantindo transparência, segurança e confiabilidade nas informações.
Mas como acessar o blockchain?
Ulisses Silva: Existem duas principais formas, a blockchain pública, na qual qualquer pessoa com acesso à internet pode participar, seja criando uma carteira digital (wallet) para transações financeiras, similar a uma conta bancária, ou interagindo com aplicativos descentralizados (DApps), baseados em blockchain; e há a blockchain privada, que é restrita a um grupo de empresas ou organizações que precisam de maior controle e confidencialidade das informações.
Qualquer empresa pode acessar?
Ulisses Silva: Depende. As redes públicas de blockchain, sim, qualquer empresa ou pessoa pode criar contas e usar essas redes para suas finalidades (transações, contratos inteligentes, emissão de tokens etc.). Já nas redes privadas, há regras específicas. Normalmente é preciso entrar em contato com os administradores da rede, que definem quem pode entrar e quais informações podem ser acessadas. Além disso, há requisitos de conformidade legal ou de segurança, como assinatura de acordos ou contratos de confidencialidade, e a necessidade de integrar essa plataforma aos sistemas de gestão da empresa, como ERP ou CRM. Em alguns setores, grupos de grandes empresas se unem para compartilhar uma rede permissionada, por exemplo, cadeias de suprimentos, instituições financeiras, entre outros.
Pode citar exemplos práticos de como o blockchain é utilizado na logística?
Ulisses Silva: O Carrefour, por exemplo, utiliza a plataforma IBM Food Trust para rastrear em poucos segundos a origem de produtos alimentícios como frutas, vegetais e carnes. Isso ajuda a identificar possíveis problemas e a realizar recalls muito mais rápidos. Uma empresa de operação marítima substituiu o documento em papel de conhecimento de embarque (bill of ladin) por um registro em plataforma blockchain, compartilhando informações em tempo real, reduzindo a burocracia e atrasos na liberação de cargas. A agroindústria também tem adotado o blockchain para rastrear a origem de produtos e certificar práticas sustentáveis.
Quais vantagens o blockchain pode trazer para o setor?
Ulisses Silva: Transparência, eficiência, segurança e integração dos processos. A tecnologia oferece visão unificada do ciclo de vida dos produtos, desde a matéria-prima até a entrega ao cliente final; possibilita conexão entre diferentes players, como fornecedores, fabricantes, distribuidores e clientes, que podem usar uma mesma plataforma de dados, mesmo que cada um tenha seus sistemas internos. Com a verificação descentralizada, torna-se muito mais difícil falsificar documentos ou manipular registros de estoque e transações. Pagamentos podem ser liberados imediatamente quando a entrega é confirmada; seguros e garantias podem ser acionados sem intermediários. Ter um formato de dados único facilita a interoperabilidade entre diferentes sistemas de logística e ERP. Enfim, com informações consolidadas e dados mais confiáveis sobre o fluxo de materiais, é mais fácil fazer previsões de demanda e ajustes de estoque.
E na logística emergencial B2B, que é o negócio da Prestex, qual a aplicabilidade do blockchain?
Ulisses Silva: Na logística emergencial B2B a velocidade e a confiabilidade são cruciais, então o blockchain gera valor quando é preciso ativar novos parceiros ou transportadores no menor tempo possível. Com uma plataforma de blockchain permissionada, assim que o fornecedor é validado, os contratos podem ser geridos por contratos inteligentes, reduzindo a burocracia. Isso agiliza a formalização de acordos e a troca de documentação, garantindo que as operações comecem praticamente de imediato. É possível também acompanhar cada etapa do transporte por meio de registros imutáveis, facilitando o monitoramento das rotas em cenários críticos. Com diversos atores participando, a transparência do blockchain contribui para evitar fraudes, perdas ou manipulações de informações. Muitas soluções de blockchain para logística já dispõem de APIs ou módulos de integração com ERPs e plataformas de gestão. Assim, fica mais simples sincronizar dados de inventário, rotas e prazos de entrega com os registros descentralizados.
O que muda para o cliente final?
Ulisses Silva: O consumidor ganha mais transparência sobre a origem e o percurso do produto. Imagine poder escanear um código com o celular e saber exatamente de qual fazenda veio um alimento, ou quando e onde foi embalado. Isso gera confiança e cria um diferencial em termos de qualidade e segurança. Além disso, essa tecnologia pode ajudar a reduzir custos ao longo da cadeia de suprimentos, refletindo em preços mais competitivos para o consumidor.
E, para encerrar, quais são os desafios para utilização do blockchain em grande escala?
Ulisses Silva: Primeiro, a educação e o entendimento correto do que essa tecnologia pode ou não resolver. Muitas vezes há exagero de expectativas. Também é importante garantir a integração com sistemas já existentes, já que poucas empresas podem se dar ao luxo de trocar seus softwares de uma hora para outra. O desenvolvimento de padrões comuns para uso em logística ainda está em evolução, o que pode limitar a colaboração entre empresas com plataformas diferentes. Mesmo com esses desafios, o fato de empresas ao redor do mundo investirem cada vez mais em soluções de rastreabilidade, contratos inteligentes e auditoria distribuída mostra que o blockchain tem um potencial real de transformar não só o fluxo de mercadorias, mas também a confiabilidade e a segurança na troca de informações.
Podemos dizer então que o blockchain vai revolucionar a gestão integrada das cadeias de suprimentos?
Ulisses Silva: Tudo indica que o blockchain tem um potencial enorme para trazer mais eficiência, segurança e agilidade às cadeias de suprimentos. Por exemplo, com o registro distribuído, todos os participantes têm acesso a dados confiáveis, em tempo real, sobre a origem e o trajeto dos produtos, desde a matéria-prima até a entrega final. Além disso, graças aos contratos inteligentes, muitos processos burocráticos podem ser automatizados sem intermediários, como a liberação de pagamentos assim que a mercadoria for entregue. Isso não só reduz custos e evita erros, como também fortalece a confiança entre parceiros de negócio.
