Fluxo local para bolsa deve aumentar com corte de juros

Análise

Fluxo local para bolsa deve aumentar com corte de juros

Veja trechos do relatório Raio XP de outubro de 2025 assinado pelos analistas Fernando Ferreira (CFA, Estrategista-Chefe e Head do Research), Felipe Veiga (Estrategista de Ações), Raphael Figueredo (Estrategista de Ações) e Lucas Rosa (Estratégia Quantitativo).

Demanda doméstica esteve ausente nos últimos anos

Os dados de fluxos e participação evidenciam o principal desequilíbrio no mercado acionário brasileiro nos últimos anos.

Os investidores estrangeiros têm sido os compradores marginais, registrando cerca de R$ 30 bilhões em entradas líquidas no acumulado do ano, enquanto os institucionais locais continuam retirando capital, com saídas superiores a R$ 40 bilhões, devido a saídas para a renda fixa.

Já os investidores pessoa física e as instituições financeiras tiveram pouca contribuição, refletindo a preferência contínua dos investidores locais por renda fixa.

As participações no volume negociado espelham essa dinâmica: desde o último ciclo de afrouxamento monetário, a fatia dos investidores pessoa física no turnover mensal tem se estabilizado em torno de 12–14%, os institucionais reduziram sua presença de forma constante, e os estrangeiros já respondem por mais da metade da atividade total.

O resultado é um mercado em que a liquidez e a formação de preços são cada vez mais determinados pelo capital externo.

A ausência da demanda doméstica não é um ruído cíclico, mas sim uma mudança estrutural, marcada pelo desengajamento dos investidores locais em renda variável e pelo protagonismo dos estrangeiros na definição tanto de volumes quanto de valuations.

Essa dependência de fluxos globais deixa o mercado mais exposto a oscilações de posicionamento externo, ao mesmo tempo em que reforça o potencial de alta caso a participação doméstica volte a se normalizar nos próximos trimestres.

A relação entre a taxa Selic e a alocação em ações é clara ao analisar os dados: desde 2017 (início da série disponível), a correlação entre fluxos domésticos para ações e a Selic tem sido fortemente negativa (-0,77), indicando que os ciclos de afrouxamento coincidiram com entradas líquidas de investidores locais. Isso não é um desvio de curto prazo, mas sim um padrão estrutural.

Observando os últimos 20 anos, as alocações em fundos de ações aumentaram em 8 dos 10 períodos de queda da Selic, mostrando que a demanda doméstica por ações é altamente sensível ao nível de juros.

Quando a Selic está elevada, renda fixa e crédito oferecem retornos de dois dígitos com baixo risco percebido, o que desloca recursos para fora da renda variável e gera fortes resgates nos fundos de ações.

Esses resgates têm sido observados tanto para investidores pessoa física quanto para institucionais, com o período de 2021-23 se destacando como um período de saídas particularmente intensas, à medida que os juros voltaram para níveis de dois dígitos.

Dentro da classe de ações, a falta de apetite doméstico também remodelou a composição dos ativos, com fundos ativos perdendo espaço para outras estratégias.

A implicação é que a ausência de demanda doméstica não é apenas um “ruído cíclico”, mas uma característica estrutural do mercado brasileiro em ambientes de juros elevados.

Essa dinâmica coloca os investidores estrangeiros como compradores marginais, concentrando a liquidez e a formação de preços em mãos externas e aumentando a vulnerabilidade do mercado a mudanças no posicionamento global.

Por outro lado, a evidência histórica sugere que, uma vez iniciado um ciclo consistente de cortes da Selic, os fluxos domésticos respondem de forma rápida e positiva, reengajando os investidores locais e restaurando o equilíbrio do mercado acionário.

Em resumo, juros altos afastam a demanda doméstica, mas uma Selic em queda tem se mostrado consistentemente um dos catalisadores mais fortes para entradas líquidas em ações.

Juros altos reduziram as alocações em ações

As razões estruturais por trás dessa fraqueza ficam mais claras ao se observar os padrões de alocação. Atualmente, os fundos de ações representam apenas 6–7% do Patrimônio Líquido (PL) da indústria de fundos, uma forte contração em relação aos níveis de 12–14% observados em 2020–21.

Em outras palavras, os investidores domésticos estão mais de 50% abaixo de sua própria média histórica recente. A maior parte dos ativos da indústria continua concentrada em renda fixa e crédito, que seguem atraindo tanto institucionais quanto investidores pessoa física diante do nível elevado de juros e da percepção de segurança.

Assim, os investidores pessoa física têm mostrado pouco apetite para realocar em direção à renda variável, preferindo travar retornos atrativos em crédito e duration.

Já os institucionais, apesar de lucros mais fortes e valuations mais atrativos no mercado de ações, vêm enfrentando resgates significativos.

Essa erosão na alocação institucional foi reforçada por uma mudança de composição dentro dos próprios fundos de renda variável: fundos ativos, tradicionalmente o principal veículo de fluxos discricionários, vêm perdendo participação para fundos internacionais.

A ausência de demanda doméstica não decorre de restrições de balanço ou falta de capital disponível, mas sim de uma escolha deliberada de alocação em favor da renda fixa.

Isso deixou os investidores estrangeiros como principais responsáveis pela demanda por ações, mantendo o mercado local altamente exposto ao apetite global por risco.

A implicação para os próximos meses é direta: com o ciclo de corte de juros no horizonte, a atratividade relativa das ações frente à renda fixa e ao crédito tende a melhorar, aumentando a probabilidade de uma reversão nas tendências de alocação.

Mesmo uma normalização parcial da alocação em fundos de ações em direção às médias históricas liberaria fluxos incrementais significativos.

Em relação ao free float do Ibovespa, tais fluxos representariam uma fonte relevante de demanda adicional e poderiam fornecer a “demanda doméstica ausente” necessária para complementar os fluxos estrangeiros e sustentar a próxima alta do mercado.

Fluxo local deve apoiar a próxima alta do mercado

As pesquisas e os cenários destacam como os cortes de juros podem ser poderosos para reativar o apetite doméstico por ações.

Quando questionados sobre quais fatores mais aumentariam sua disposição para investir, os investidores de varejo apontam de forma esmagadora para a queda das taxas de juros no Brasil – com mais da metade citando esse fator como o principal gatilho, acima dos 51% registrados no mês anterior.

Além disso, os dados da pesquisa se alinham claramente ao ciclo de juros. Em 2022, durante o aperto monetário, o apetite por ações desabou, com a maioria dos clientes preferindo manter ou reduzir alocações.

Em 2023, à medida que a Selic começou a cair, a disposição para aumentar a exposição em ações voltou a crescer, e o interesse pelos fundos de ações se estabilizou.

Já em 2024, com a política novamente em modo de aperto, o apetite por ações caiu mais uma vez, enquanto a demanda por renda fixa subiu para os níveis mais altos. O padrão é consistente: investidores de varejo se afastam da bolsa quando os juros estão altos e só voltam a se engajar de forma significativa quando a Selic entra em ciclo de afrouxamento.

Autores: Fernando Ferreira (CFA, Estrategista-Chefe e Head do Research), Felipe Veiga (Estrategista de Ações), Raphael Figueredo (Estrategista de Ações) e Lucas Rosa (Estratégia Quantitativo).

Conteúdo: XP Investimentos

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