Sísifo e a bolsa de valores brasileira

Renda Variável

SÍSIFO E A BOLSA DE VALORES BRASILEIRA | Por Eric Hatisuka, CIO do Mirabaud no Brasil.

Na mitologia grega, Sísifo foi um rei de reconhecida astúcia que, audaciosamente, ousou enganar os deuses em várias ocasiões, tendo inclusive enganado a própria morte por duas vezes.

Pelo seu atrevimento, Sísifo, ao morrer, foi condenado por Zeus ao castigo eterno de empurrar uma enorme pedra de mármore até o cume de uma montanha, apenas para vê-la rolar montanha abaixo toda vez em que se aproxima de seu topo, sendo obrigado a reiniciar todo o trabalho em um ciclo que se repete indefinidamente.

A história de Sísifo é um tropo arquetípico do trabalho árduo e repetitivo, muitas vezes sem resultados práticos, que experimentamos o tempo todo em nossas vidas cotidianas. É a alegoria sobre lutar por algo e acreditar, para no fim, ver o trabalho perdido e desperdiçado, tendo que recomeçar tudo de novo.

Com a esperança de um Sísifo ao sopé da montanha, os investidores das ações brasileiras experimentam a rediviva alegria de ver o mercado subir e alcançar novas máximas, em uma antecipação ao ciclo de queda de Selic que, cedo ou tarde, virá.

É compreensível que, frente ao potente rally observado nos mercados de ações internacionais nos últimos 24 meses, após debelado o choque de inflação de 2022, os investidores sintam que o mercado local está “atrasado”, gerando, portanto, grande expectativa sobre o retorno a ser “desbloqueado” com o início da distensão monetária.

Entretanto, uma análise mais profunda, utilizando preços com ajustes reais, mostra que, embora os desenvolvimentos recentes sejam muito auspiciosos, o mercado ainda jaz distante de uma máxima em termos reais, considerando a manutenção do poder de compra da moeda.

O gráfico abaixo mostra o Ibovespa nominal e sua comparação com o índice corrigido em termos reais tanto pela taxa de câmbio do Real contra o Dólar quanto pela inflação nacional, medida pelo IPCA.
 

Gráfico, Histograma

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No gráfico é possível ver que a máxima alcançada no Ibovespa, no período pré pandemia, quando corrigida pelo dólar e pelo IPCA (círculo vermelho), é de 154.272 pontos e 159.963 pontos, respectivamente. O fechamento do Ibovespa em outubro foi aos 149.540 pontos, ainda abaixo das máximas anteriores em termos reais, mas certamente, na iminência de superá-las.

Por outro lado, as máximas absolutas do Ibovespa (“all time high”, em círculos azuis), alcançadas em maio de 2008, quando corrigidas pelo dólar e pelo IPCA, são de respectivamente, 239.890 pontos e 190.087 pontos, ou seja, ainda bastante distantes dos recordes recentes alcançados pelo Ibovespa nominal.  

Embora a análise acima tenha o simples objetivo de qualificar as altas recentes, elucidando o papel da taxa de câmbio e da inflação como agentes causadores de erosão do valor real da moeda no tempo, não podemos negar que o momento da bolsa brasileira é positivo e que, certamente, novas máximas virão.

De fato, não estamos alheios aos efeitos positivos que o vindouro ciclo de queda na Selic deve causar e, portanto, nossa estratégia de alocação de portfolios já contempla movimentos de aumento na alocação em renda variável, de forma a poder-se capturar parte desse valor a ser desbloqueado com a queda dos juros.

Crowding Out

Em economia, chamamos de Crowding Out o fenômeno onde o aumento excessivo dos gastos do governo causa a redução do investimento privado. Tal fenômeno é uma decorrência natural do aumento da necessidade de financiamento do setor público, levando à disputa de recursos econômicos com o setor privado.

O crowding out é o motivo concreto que levou o mercado de ações brasileiro a permanecer atrasado, em termos de valorização de preços, quando comparado aos mercados internacionais.

O elevado déficit público brasileiro, o abandono do arcabouço de gastos pelo Governo em abril de 2024 e as múltiplas rodadas recentes de aumento de carga tributária tiveram o efeito deletério de manter a inflação longe da meta, com impacto severo nos juros básicos, que tiveram de ser elevados em 425 pontos base entre setembro de 2024 e junho de 2025, reprimindo a capacidade de crescimento de lucro das empresas.

Assim como no Mito de Sísifo, nosso mercado sobe montanha acima quando as condições se mostram minimamente favoráveis, principalmente com os ciclos de quedas de juros da Selic, mas rolam montanha abaixo sempre que a realidade se impõe, na forma do crescimento inexorável do gasto público, com as consequências nefastas de sempre: aumento de carga tributária, aumento do endividamento público, aumento da inflação estrutural da economia e, em última instância, aumento da taxa de juros básicas do país.

O momento atual da bolsa brasileira reflete particularmente dois fatores que criam uma dinâmica muito favorável aos preços: além da queda da Selic, também a redução do universo de ações negociadas na B3, após a onda de fechamento de capital de empresas listadas que ocorre desde o ano passado.

Com isso, o aumento da propensão à risco causado pelo ambiente de queda de juros encontra menos ações disponíveis para compra, com efeito duplamente positivo sobre os preços.

Porém, caso a política econômica não seja ajustada em favor de uma redução do tamanho do Estado Brasileiro na economia, o desempenho das ações tende a não se manter, pois um Estado perdulário precisa drenar recursos da economia, seja na forma de arrecadação de impostos, seja na forma de aumento de endividamento, criando dificuldades quase intransponíveis para que o mercado continue subindo ou mesmo para que se sustente nos mesmos patamares, ante um ambiente de negócios que se torna adverso de forma cíclica e previsível.

O gráfico abaixo, que mostra o retorno acumulado do CDI e do Ibovespa desde o início do Plano Real. 

Gráfico, Gráfico de linhas

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Como se pode ver, a partir de 2010, há um claro divórcio entre as curvas de acumulação do CDI e do Ibovespa. Não por coincidência, este período também marca a inflexão da política econômica brasileira em favor de um “Estado Indutor de Crescimento”. 

A conclusão é direta: em um ambiente de crowding out, os ativos de renda fixa sempre vão performar melhor que os ativos de renda variável e, caso o ciclo atual de redução da Selic não seja acompanhado de um profundo ajuste fiscal à frente, permaneceremos como Sísifo, esperançosos e felizes com a alta da bolsa agora, apenas para nos frustrarmos com a pedra rolando montanha abaixo depois.

Autor: Eric Hatisuka, CIO do Mirabaud no Brasil.

Eric Hatisuka, CIO da Mirabaud. Foto: Divulgação

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